Desafio da escrita dos Pássaros #4.1
Porque tinha tido uma primeira ideia de texto e não o quero deitar fora
Beatriz vivia para trabalhar e não sabia dizer "não".
Ingressou nos quadros da empresa quando terminou o curso com nota de 18 e passo a passo foi subindo até um cargo na administração.
Tinha horário de entrada, mas a saída era uma incógnita. Feriados passava-os a trabalhar e as férias eram marcadas de acordo com as necessidades da empresa. Não raras vezes foram alteradas, interrompidas e até canceladas.
Beatriz aceitava tudo, porque queria vencer na carreira e principalmente, porque não sabia dizer que não.
Casou e teve um filho, mas o trabalho vinha sempre primeiro, mesmo que para isso não fosse às reuniões de pais nem às festas na escola.
O filho do patrão formou-se e ocupou um lugar de destaque na empresa. Beatriz foi mudada para funções menores, mas quando era preciso trabalhar a sério, chamavam Beatriz que, claro, dizia que sim.
A crise instalou-se, a empresa fez uma reestruturação, Beatriz ficou com as responsabilidades maiores com alguns benefícios retirados porque não havia recursos e claro, Beatriz disse que sim e continuou empenhada em trabalhar.
A crise agravou e a empresa fechou. O patrão fugiu para o estrangeiro e as instalações foram "limpas" de máquinas e documentos.
Beatriz foi despedida.
Tinha 50 anos, a reforma vinha longe e não havia perspetivas de um novo emprego.
Quando lhe perguntavam se estava bem, Beatriz dizia "sim". Não queria mostrar fragilidade e principalmente, não sabia dizer que não.
Beatriz adoeceu.
O seguro de saúde que pensava que tinha nunca foi pago e do patrão nem sinal. As colegas, que a achavam “lambe botas”, não souberam ou não quiseram saber. Amigos não tinha, não teve tempo de os fazer. O filho foi fazer a vida fora e não tinha tempo, estava a trabalhar.
A seu lado, na cama do hospital, o marido Joaquim perguntou
- Beatriz, foste feliz?
- Não.
Beatriz finalmente disse "não", e agora?
Agora já é tarde.