A minha avó faria hoje 100 anos
Por isso, hoje era para haver festa e um cesto com 100 rosas. Era o que ela dizia que queria no centenário, mesmo achando que nunca lá chegaria. Tinha razão.
Acho que herdei dela o facto de ter sempre razão.
A vida tirou-a da Póvoa de Varzim, mas nunca lhe retirou o sotaque.
Aprendeu a ler sozinha, nas contas das vendas não se atrapalhava. Aprendeu a fazer croché só de ver fazer e bastava-lhe provar qualquer coisa para a conseguir reproduzir nos seus tachos sem dificuldade. Foi dela que herdei o gosto pela cozinha, apesar dela ser péssima a dar receitas, o que fazia com que pouca gente lhe consiga igualar o ponto, o paladar, a textura. Tenho para mim que é este o segredo das cozinheiras.
Que saudades do tempero da avó!!
Uma vida difícil, com muitas perdas pelo caminho e muitas histórias para contar. Não era de levar desaforos para casa.
"Reza a lenda" que andava a vender bananas num sítio onde a venda ambulante era proibida quando foi apanhada pela polícia e que, no caminho da esquadra, comeu quase tudo o que levava no cesto, pelo que já não havia nada para a acusar. A pena cumpriu-a em dores de barriga, mas de queixo erguido. Os polícias teriam ficado com as bananas e mais a multa e ela sem dinheiro para alimentar os filhos.
Pelo que consta, que eu não vi, era uma das que se envolvia nas maiores discussões que se tornariam históricas no bairro. Para defender alguém, para pedir satisfações de algo, mas principalmente, para deixar bem claro que aos filhos dela ninguém fazia mal.
Acho que herdei dela a precipitação e a impetuosidade.
A idade acalmou-a, a doença não lhe permitiu viver completamente feliz os últimos anos, mas viveu rodeada de amor e a dar amor a todos os que a rodeavam.
Por cá deixou uma herança de afetos, determinação, força e carisma. Acho que na família todos temos muito da "velha".
Tenho saudades, muitas!! Mas sei que as saudades são o amor que fica.